segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Pitty - Chiaroscuro (resenha faixa-a-faixa)


Uma das coisas mais irritantes que um artista pode dizer sobre novo disco e ainda não lançado é que ele será bem diferente dos anteriores, tanto na sonoridade quanto no discurso. É irritante porque (com apenas poucas exceções) quase sempre isso não é cumprido. Na audição do disco nada te causa surpresa, no máximo há o uso de alguns instrumentos diferentes e que muitas vezes nem chegam a alterar significativamente o som.


Quando a Pitty mencionou que existiam influências de tango, bolero, motown e rock dos anos 60 no terceiro disco de estúdio dela, eu não acreditei muito. “Provavelmente vai ser uma coisa mínima e pouco relevante”, pensei. Ledo engano. O Chiaroscuro é (mais) um passo à frente na carreia da roqueira baiana. Ela revelou para a revista Rolling Stone que tinha tanto para falar no primeiro disco, que o segundo foi como uma extensão dele, e que só depois de compor o Anacrônico ela sentiu o esgotamento de idéias. Ela tirou uns meses de férias para descansar e recarregar as baterias, e a inspiração voltou. Esse disco causa surpresa, mas não espanto, porque ainda é muito fácil perceber a identidade dela nas canções, mesmo mostrando lados antes desconhecidos.


Se no primeiro momento senti a falta do discurso e achei o disco menos pessoal por esse motivo, depois percebi que ele é o disco mais pessoal de sua carreira (até o momento, é claro). Ao invés de discorrer sobre idéias e formas de encarar e/ou entender a vida, nesse ela fala sobre ela mesma. Seu lado dramático (que ela havia confidenciado no programa Por Trás da Fama, apresentado pela Alex Lerner no Multishow) em Me Adora e Água Contida; a auto-percepção em A Sombra; a vida na estrada em Rato na Roda; a rotina em 8 ou 80; a crença na luta Todos Estão Mudos; o feminismo em Desconstruindo Amélia; e muito mais.


Nem vale a pena comparar o Chiaroscuro com o Anacrônico para saber qual é melhor. São projetos que retratam momentos diferentes. E são melhores por causa disso. Os dois são ótimos discos (assim como o Admirável Chip Novo também é) e mostram uma artista que não pretende ficar presa no ninho que construiu.


A ordem das faixas foi muito bem escolhida. Várias faixas parecem continuar a anterior. No entanto, o encarte traz Trapézio como a oitava faixa e Rato Na Roda como nona, mas no cd elas estão na ordem inversa. Será que a decisão final do set list trazia qual ordem?



Esse é o disco onde mais a Pitty explora seu lado cantora. Como o Eddie Vedder ou a PJ Harvey, ao vivo, a busca pela emoção é o ponto chave. Mas mesmo ao vivo é notório que ela se mostra cada vez mais segura e sabendo bem como expressar cada música. No disco há a exploração de outras zonas de sua voz (vide A Sombra) e utilização de muitas vocalizações e harmonias vocais (Me Adora, 8 ou 80). Ela pode não ser usada como exemplo de afinação como as cantoras Roberta Sá e Marisa Monte, mas mostra maior evolução do que qualquer cantora que eu possa lembrar.


Resenha faixa-a-faixa:


01- 8 ou 80: Começo bem dançante (mais strip-tease do que “pula galera!”... J). Conta sobre viver entre extremos. A letra é um pouco crua, mas convence. Refrão poderoso. Influência de Queens Of The Stone Age. Os vocais do fim da canção ratificam a desenvoltura como cantora.


02- Me Adora: “Também entrei numa de tango, o drama... A ‘cortação’ de pulso, acho do caralho”, declarou ela na entrevista à Rolling Stone. Some influências da Motown e castanholas(!). O resultado é uma canção pop perfeita com alma rock roll.


03- Medo: Depois de Miedo do Lenine (presente no MTV Acústico dele - e tem a participação da mexicana Julieta Venegas), qualquer música sobre o assunto fica numa situação difícil. Faixa pesada com citada de Marcel Proust. Lembra que o medo é “nocivo se paralisa”, mas bom porque significa afeição à você mesmo ou outrem.


04- Água Contida: Talvez a melhor do disco e também a que o melhor representa. Ótima letra e que gera rápida identificação. Possível música de trabalho. Melodia que remete ao tango, inclusive traz a participação do violinista Hique Gomez – metade do Tango e Tragédias (que participou do MTV Ao Vivo do Pato Fu, por exemplo). Guitarra catártica no refrão.


05- Só Agora: Canção de Ninar. Sutil, delicada, triste. Parece ter sido feita para o bebê que não teve (ela sofreu um aborto aos três meses de gestação). Aperta o coração ouvi-la cantar “sabe, serei seu lar se quiser / Sem pressa, do jeito que tem que ser” ou “Porque um dia, eu sei / vou ter que deixá-lo ir”, mas terminar repetindo “que eu nunca vou deixá-lo ir”. A mãe que se prepara para criar o filho pro mundo, mas ele não vem e ela percebe que ele sempre estará com ela.


06- Fracasso: Posso estar louco, mas me lembrou um Pato Fu mais pesado! O que é um elogio. Divertida. Já dá para imaginar a galera pirando nos shows cantando que “o fracasso lhe subiu à cabeça”.


07- Desconstruindo Amélia: Retoma o tema feminismo, que foi abordado no disco anterior na faixa Quem Vai Queimar?, mas nessa vai mais fundo no assunto. Dessa vez ela se sai melhor ao contar a história de uma personagem e assim colocar suas idéias.


08- Rato Na Roda: Parece tratar do mesmo tema de Brinquedo Torto, até você perceber as referências à vida de um músico na estrada. Aí a ficha cai. Cheia de energia. Referências ao livro Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carroll. Momento The Mars Volta no fim da música.


09- Trapézio: Mostra evolução como letrista. Afinal das contas, uma música sobre um sonho e pensamentos sobre a farra na noite passada parecem matéria para algo clichê. E ela foge completamente disso. A abordagem do tema de forma descontraída e informal a deixa com cara de conversa gostosa entre amigos. Dá vontade de apertar o replay. Daria um belo clipe.


10- A Sombra: Lucidez e lugubridade escorrendo. Lânguido hino que versa sobre auto-aceitação completa. Ing e Yang.


11- Todos Estão Mudos: Umas das melhores do cd. Brado contra a apatia e acomodação geradas pela falta de esperança em conseguir gerar mudanças. Grande letra que não soa utópica ou inocente em nenhum momento. Martin, o guitarista, faz vocal de apoio no refrão.


Ela é roqueira o bastante para saber que não precisa se limitar a ele para produzir rock de verdade. Recomendadíssimo!


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